O Miguel Marujo desafiou a uma série de mulheres bloggers, entre as quais yours truly, para escolhermos 10 imagens de 10 mulheres para o seu E Deus criou a mulher.
Que mulheres gostaria eu de contemplar, foi a pergunta que me pus para lhe poder responder (e aos seus leitores que apreciam os corpos e as caras das que por lá se passeiam, uma espécie de parede de quarto adolescente com os objectos de desejo em volta da cama de pessoa só transmutado em ecran de pc). Fiz uma viagem pelas mulheres da minha vida, das que desejei ser, as que invejei, as que me prenderam a retina até hoje. Depois de lhe ter enviado as escolhas e os motivos comecei a descobrir em mim pedaços delas que fui incorporando sem me dar conta, na minha maneira de andar na rua, de me sentar, de me relacionar com os outros, e nas roupas que escolho. Um processo divertido de auto-conhecimento, que não posso deixar de lhe agradecer, uma espécie de viagem pela minha memória cinematográfica. Chamei-lhe "as mulheres que desejei ser".
Como todas as raparigas, a primeira mulher que desejei ser foi a minha mãe. Bonita, elegante, com uma cabeleira comprida e ondulada na qual enfiava rolos e esperava que secasse com um dispositivo espacial, uma touca de fibra que se enchia de ar quente quando se ligava o secador na ponta. De alguns ângulos fazia lembrar a Jacqueline Bisset.
Passei a infância toda a ouvir dizer quanto a minha irmã mais velha se parecia com a Liv Ullmann. Ainda que aparecesse em filmes que eu tinha dificuldade em seguir, fiquei sempre a pensar a quem me assemelharia eu. Como não era com nenhuma, dediquei-me a desejar ser algumas das que povoaram os meus olhos, as princesas de carne e osso fora dos livros de contos.
Liv Ullmann, a segurar a cabeça da Bibi Andersson
Como só havia dois canais na televisão e havia poucos programas a passar, davam imensos filmes. Sorte a minha. Vi todos os grandes musicais americanos em casa, e sonhava um dia poder entrar por eles adentro, ainda que fosse para ser um cabide de pé alto nas mãos do Fred Astaire. Um dos meus preferidos de sempre é o Gigi, com a Leslie Caron como menina desastrada, com a elegância nas pontas dos membros a desconstruir a imagem de miúda provocadora e fugidia. O vestido da última cena, em que se transforma em mulher de sociedade, desejada por todos os homens e odiada pelas mulheres, ainda há de ser meu.
A Cyd Charisse, com os números mudos na Serenata à chuva pôs em duas pernadas a bem comportadinha Debbie Reynolds a um canto. O curto vestido verde a deixar ver as pernas mais bonitas do cinema, numa dança lânguida com o homem com quem sempre desejei casar, fizeram dela a primeira sex symbol que me tocou. Provocadora, teaser, sem lhe dar o que ele queria – apenas a possibilidade de algo que nunca se concretizaria. Depois num sonho de véu branco, descalça e de tiara contrapunha-se como suprasumo do bom gosto e vulnerabilidade entregue.
Com o Let's make love fiz as pazes com a Marilyn, que depois de ser sempre a idiota loira, que para minha raiva garantia que os homens as preferiam às morenas, se salvou entrando em cena de collants pretos e uma grossa camisola de lã clara. Deixou-me a mim e ao Yves Montand de boca aberta, ao encolher os ombros e a bambolear-se enquanto garantia que o pai era you know, the proprietaire.
Num dos vários álbuns de cinema que havia em casa havia duas imagens em que sempre parava horas de contemplação. Uma a da Cyd Charisse de véu, outra a Jane Fonda de Barbarella com o anjo cego a abraçá-la. O look dominatrix espacial, guerreira protegida por um loiro com penteadinho de acólito, com asas verdadeiras e por isso sem risco de derreter com o calor da cena.
As mulheres de Hitchcook eram todas bonitas, mas que apenas actuavam por reacção ao que se passava à sua volta. Até que vi o To catch a thief, onde Grace Kelly brilhava em todo o seu esplendor, carregando a solução do mistério que apenas ela conhecia. A cara doce contradizia o modo como guiava por Monte Carlo fora, assustando o intrépido Cary Grant e mostrando-lhe quem tinha o protagonismo do filme. Por causa dela apropriei-me de uns óculos escuros vintage, e passeava-me de echarpe sobre os cabelos e ar misterioso, cultivando um aspecto distante e a enganar quem me queria julgar pela inocência da minha aparência.
A Claudia Cardinale estava magnífica no vestido branco que levou ao baile no Gattopardo. E como enfermeira no 8 e 1/2. Mas foi no Soliti ignoti, jóia escondida atrás de portas trancadas, que mais a gostei de encontrar – até porque a vi inúmeras vezes, enquanto me ria com os disparates dos maltrapilhos das ruas de Roma.
A Monica Vitti, com a sua voz rouca e arrastada, e um subtexto de mulher irascível que eu já suponha ter em mim, fazia parte do pato com laranja que levantou tanta polémica ao ser passado na RTP nessa altura. Quando a descobri como Modesty Blaise, uma das minhas heroínas preferidas, conquistou-me definitivamente.
Mas de todas as mulheres do cinema, a que mais desejei ser em absoluto foi a Joanne Woodward. A cena em que a vi mais sensual foi no Paris blues, a vestir-se deixando o trompetista abandonado na cama, com um corpete preto como nunca consegui encontrar para igualar a imagem inesquecível. This romance is doomed, diz-lhe ele, you wake up too early. Para além de bonita e talentosa a rodos, a primeira pessoa a ter uma estrela no Hollywod Walk of Fame, com ar inteligente e de felicidade serena, foi casada durante mais de 50 anos com o homem mais bonito que Deus criou.
5 comentários:
Gostei Dester!
Pergunta de mulher: Como seria se o marujo desafiasse homens?
dependeria dos homens, assim como cada uma das mulheres faz escolhas diferentes. Para homens já lá está o Miguel, de vez em quando tem lá outro tb a contribuir, parece-me que o vosso género já está bem representado.
Gostei muito.
Sinto que fiz um passeio pela tua historia.
E dei por mim a pensar que teria o cabo dos trabalhos a encontrar as minhas mulheres...
Bjs
Bom Feriado.
Lince
que post, menina!!
Dester, houve para ti alguma mulher fora do contexto cinematografico?
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