Aos domingos é dia de visita, para os que ainda têm quem os espere. Mulheres, filhos, pais, irmãos, maridos quase nenhuns. As crianças brincam umas com as outras, fazem asneiras para que olhem para elas em vez de estarem em conversas que lhes são incompreensíveis e adivinham dolorosas. Alguns têem abraços, outros apenas presenças dignas na dor que dirão mais tarde aos amigos quanto lhes custa aquelas horas. Ou que guardam o desespero só para si, à noite no escuro entre os lençóis.
Uma rapariga muito nova com uma cruz ao pescoço, visitada pela mãe que lhe toma conta do filho pequeno e lhe leva livros religiosos com a salvação pelo poder divino. Um homem maduro que espera a família numerosa e se preocupa com o companheiro que patinou a semana toda, num desespero escondido que todos descobriram. Um que ainda trás a aparência carcomida que a vida ao desbarato na rua depois de uma semana de internamento ainda não lhe tirou da pele.
Recebem com alegria a presença do companheiro que conquistou a liberdade na semana anterior, e se vê quanto sofrimento ainda lhe pesa nos ombros largos e atléticos, o medo do mundo fora do útero.
Nos olhos dos que ali vivem espreitam fantasmas dos demónios que os perseguem, nuns adormecidos, noutros a serem expulsos, nalguns irrequietos.
Eu não consigo falar, não consigo dizer nada. Fico catatónica na minha impotência, na minha incompreensão, na minha raiva silenciosa, tenho vontade de lhe bater, pontapeá-lo até expulsar o bicho que o come por dentro e com isso talvez o meu. Em vez disso sento-me no chão, a brincar às casinhas, a dividir a alegria infantil com dedo espetado "quem vai ver o pai hoje?".
À hora marcada arrumam-se os lápis, os livros, os bonecos, beijos e abraços cheios de lágrimas que não saem, até para a semana, porta-te bem, voltem sempre, não se esqueçam de telefonar, deixar dinheiro na recepção, nós vamos à vida de todos os dias e eles continuarão a expiar as suas faltas em catarses de grupo.
Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. E não nos deixeis cair em tentação mas livrai-nos do mal. Assim seja.
2 comentários:
muito bonito! até se me deu um aperto no coração...
também a mim. e quero sabrr mais sobre isto...
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