Eu morava no 6º esquerdo e tinha pouco mais de 18 anos, no 7º direito uma família com um míudo de 8 anos cuja janela dava para a varanda do meu quarto. Um dia aterrou-me um desenho infantil dobrado em aviãozinho, achei que tinha sido um acaso, mas como era giro guardei-o. Nos dias seguintes continuaram a chover desenhos feitos a lápis de cor em papel cavalinho A4 que eu recebia com prazer e acrescentava à colecção. Até que um dia apareceu mais uma dessas folhas, onde estava escrito a amarelo com uma caligrafia ainda a ganhar mão - "Amo-te! João Morais".
Quando encontrei o rapaz no elevador com o pai disse-lhe que tinha recebido os seus desenhos, agradeci-lhe sublinhando com um sorriso. Ele corou até à raiz dos cabelos sob a expressão espantada do pai, nem conseguiu responder. Fiquei com sentimento de culpa por lhe ter partido o coração com a insensibilidade da minha revelação pública. De vez em quando olhava para a varanda mas não voltaram a aparecer os recados.
4 comentários:
Ester, tens a certeza que não era o pai a enviar-te os desenhos?
oh diabo, com essa é que me tramaste. mas pela sua cara surpreendida quando fiz a revelação no elevador, perguntando ao filho se era verdade (enquanto este encostava a cara à parede, desejando decerto que o tapete o engolisse) estou em crer que não.
Não sejas ingénua, Ester! O homem ficou mas foi lixado por tu o teres desmascarado à frente do filho. E o miúdo ficou lixado porque percebeu, finalmente, quem é que lhe andava a gastar os lápis de cera. Arranjaste ali um grande 31 familiar, essa é que é essa...
Deve ter sido por isso que eles se mudaram de casa uns anos depois.
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