quarta-feira, novembro 19, 2008

A kind of hush

There's a kind of hush all over the world tonight.
All over the world you can hear the sounds of lovers in love.
You know what I mean.
Just the two of us and nobody else in sight.
There's nobody else and I'm feeling good just holding you tight.

A minha mãe a guiar o carro, a pôr o rádio mais alto quando esta música começava e a cantá-la arrastando o sh da frase e batendo com as mãos no volante enquanto abanava o tronco. A partir de uma certa idade tinha vergonha que a minha mãe cantasse ou dançasse em público, como todos os adolescentes. Também não gostava que ela me desse a mão ou abraçasse quando passeávamos na rua, as pessoas iam achar que eu era uma criança. Depois passou-me.

So listen very carefully.
Closer now and you will see what I mean.
It isn't a dream.
The only sound that you will hear
Is when I whisper in your ear
I love you forever and ever.

A minha mãe era muito desafinada, daquelas que não consegue acertar com uma nota no sítio certo e que ouvida sem a música por trás fazia com que se percebesse apenas o que queria cantar pela letra. De vez em quando aborrecia-se com a troça que fazíamos e afirmava "tenho óptimo ouvido, não tenho é voz". O seu excelente ouvido fazia-a confudir o Bono com o Mark Knopfler, coisa pouca.

There's a kind of hush all over the world tonight.
All over the world you can hear the sounds of lovers in love.

Um dia descobrimos uma maneira de tornar os seus dotes canoros úteis. Quando voltávamos do campo era preciso dar banho aos gatos, actividade que eles detestavam e da qual fugiam como podiam. Em desespero de causa a minha mãe começou a cantar para os tranquilizar e teve como efeito o congelamento imediato de todos os seus músculos - os bichos ficavam agachados, de orelhas para trás e rabo no meio das patas com o comprimento de onda ímpar da sua voz, se tentava uma nota mais aguda quase colavam a barriga ao alguidar. O banho dos gatos tornou-se num espectáculo familiar hilariante, e um regozijo para a autora da minha existência que via finalmente aplaudidas (ainda que de forma peculiar) as suas características vocais.

So listen very carefully.
Closer now and you will see what I mean.
It isn't a dream.
The only sound that you will hear
Is when I whisper in your ear
I love you forever and ever

Hoje vinha a guiar e deu esta música na rádio e estas memórias saltaram todas. Comecei a cantar e a sorrir. Enquanto houver quem se lembre de nós estamos vivos.

There's a kind of hush all over the world tonight.
All over the world people just like us are fallin' in love.
Yeah, they're fallin' in love.
Hush, they're fallin' in love.
Hush.

4 comentários:

Alvaro_C disse...

20_07_06: 20:41
Já não posso escolher os meus milagres. Perdi a morada do milagreiro, atirei a morada fora, não sei bem.... E no entanto houve um tempo em que não era assim. Houve um tempo em que nada morria e eu vivi nesse tempo. Tenho provas. Aqui mesmo no avião, procuro no computador uma fotografia que o meu Tio me enviou uns meses antes de morrer. Vê-se uma enxada já muito velha pendurada numa Laranjeira de um pomar. A enxada era da minha Avó. Foi mantida ali pelo meu Tio durante 10 anos, desde a morte dela. Disse-me que gostava de chegar ao Pomar logo de manhã e de a ver ali. Não encontro a fotografia. Vamos aterrar.

sem-se-ver disse...

:))))

Menina disse...

Bonito post!
Sei que parece cheesy dizer-te isto, mas Obrigada por partilhares!

Bjs
L.

D. Ester disse...

Eu guardei fotografias de antepassados de quem já ninguém sabe o nome. Achei que enquanto sorrirem na moldura, à frente das minhas lombadas na prateleira, a sua memória permanece. Da mesma forma que os seus genes, ainda que diluídos pelas gerações, continuam a expressar-se nas minhas células.