terça-feira, outubro 14, 2008

Saudade

Ontem teria feito 62 anos. Nunca gostou de aniversários, por isso fizémos um jantar com todos os seus amigos e não pusémos velas no bolo.

Na sala onde tenho os seus quadros na parede, abri a mesa de jantar, pus a toalha castanha e os guardanapos de pano, o serviço de porcelana e o faqueiro da vossa lista de casamento. Já não temos copos de cristal, mas usei os de pé alto que a Mãe gosta. Comprámos bacalhau espiritual daquela loja onde a comida era sempre boa, as suas amigas trouxeram vinho e sobremesa. Conversámos a noite toda sobre si Mãe. Dizem que encontram em mim tantas coisas suas, mesmo algumas que eu não gosto muito. A Mãe esteve sempre ali connosco. Sabe, às vezes faz-me muita falta.

Depois da Mãe morrer eu fui dormir para a sua cama e passei a ocupar o seu lugar na mesa. Senti-lhe o cheiro na almofada durante muito tempo, e era bom. A gaveta das suas camisolas de lã teve o seu perfume durante imenso tempo, abríamos e ficávamos a cheirar para a ter ali outra vez, só por um bocadinho.

Houve uma noite em que eu estava deitada na cama a chorar e senti as suas mãos em cima das minhas, aquelas mãos cheias de anéis e sempre secas, ideais para fazer queijo costumava dizer. Lembra-se? Eu acho que a Mãe esteve ali comigo nessa noite. Esteve, não esteve?

De vez em quando ia na rua e parecia que a via, alguém com o seu cabelo e o seu andar. Mas depois não era. Agora encontro-a no espelho quando me pinto.

Acontece-me sonhar consigo, a Mãe morreu mas não sabe e eu e a mana passamos o tempo todo a esconder-lhe isso para não lhe dar um desgosto, e normalmente conseguimos. Para onde é que a Mãe vai quando não está à noite comigo?

7 comentários:

Alvaro_C disse...

Um beijo.

dizia ela baixinho disse...

:(

mais outro beijo

sete e pico disse...

nem sei que te diga, só consigo chorar

sem-se-ver disse...

(caramba.)

não vai a lado nenhum, querida. está sempre consigo.

por isso esteve, claro que esteve consigo naquela noite. eu sei que esteve.

(um abraço. um abração.)

Menina disse...

Minha Querida,

Por vezes, quando te falo na minha mae, penso na tua, e na falta imensa que ela te faz... e as vezes arrependo-me de comentar...

Queria poder dizer-te que vai passar... queria poder atenuar o teu choro, mas mais que isso, o vazio e a sensacao de perda, mas nao posso.

Posso apenas desejar que quando precises, esse cheiro esteja contigo, e que quando em desespero, a invoques, que ela te ouça sempre e te sussurre ao ouvido palavras de calma embaladoras, e de um profundo amor, um amor de mae.

Um abraco muito apertado e muitos beijos para secar as tuas lagrimas.
M.

D. Ester disse...

obrigado pelos vossos beijos. estas coisas são sempre tão pessoais e ao mesmo tempo universais.

Lince e todos os que possam pensar da mesma forma, não é por eu não ter a minha mãe comigo que deixam de poder falar das vossas. é até uma maneira de me lembrar das dinâmicas que havia - seja por semelhantes ou antagónicas.

jj.amarante disse...

Comovente